Fundada em Outubro de 1870, pelo Conde de Bertiandos, Gonçalo Pereira da Silva de Sousa e Menezes, a Delegação de Braga da Cruz Vermelha Portuguesa (CVP) não esperava que no ano da comemoração do seu 150.º aniversário se visse obrigada a suspender a festa e virar-se para o combate ao SARS-CoV-2, a terceira pandemia da sua história, depois da Gripe Pneumónica, de 1918/19, e da Gripe A (H1N1) de 2009. Armando Osório diz que a situação pandémica no Norte “é uma loucura”.
A Instituição teve que refazer a sua estratégica e racionalizar os recursos. O voluntariado “enriquece a alma” e, por isso mesmo, assegura que se o Estado assim o entender que “estamos aqui” para ajudar na vacinação contra a Covid-19, diz Osório, que nunca tirou a máscara durante a conversa com O Vilaverdense/PressMinho – “temos que nos proteger para proteger os outros”.
Foi delegado do Instituto Nacional do Trabalho e Previdência Social na Beira, em Moçambique, esteve à frente dos Serviços da Acção Social da Universidade de Minho e agora chefia a Delegação de Braga da CVP. Tanto na sua actividade profissional e agora como voluntário, este dever ser o momento mais difícil.
Na verdade, este é o mais difícil. Um momento de grandes preocupações, mas também estimulante. Sabe, ajudar quem precisa é sempre estimulante. É certo que o voluntariado traz desassossegos, mas enriquece a alma também. Só quem passa por isso, é que pode avaliar.
Nos seus piores sonhos não se imaginaria a viver uma pandemia como esta…
Não… A Covid-19 entrou-nos pelas portas de uma maneira brutal. Mas todos os dias há preocupações, todos os dias há gente a precisar de nós, da Cruz Vermelha.
Houve seguramente a necessidade de redobrar os cuidados. De que maneira?
A nossa primeira preocupação é protegermo-nos para proteger os outros. No princípio da crise apostámos muito na formação Covid. Repare que se os nossos funcionários falham [nos cuidados de protecção], as muitas centenas de pessoas que apoiamos ficam sem ajuda. Felizmente, não tivemos nenhum surto. Ocorreram alguns casos pontuais de funcionários, por contágio nos seus meios familiares.
Até que ponto é que foi condicionada a actividade?
Não afectou o apoio que damos aos nossos utentes, mas se houve algum foi muito pequeno. Conseguimos manter a nossa acção social depois de fazermos algumas alterações. O essencial foi mantido.
Que alterações?
Por exemplo, as refeições passaram a ser servidas em cuvetes. A distribuição de refeições no Centro Acolhimento Temporário –o CAT- para sem-abrigo em Nogueira passou a ser feita aqui na cidade, o que até é mais cómodo por ser mais central.
De alguma forma esta pandemia, trouxe algumas vantagens, nomeadamente ao nível da racionalização, funcionamento e de optimização de meios e de recursos humanos. As crises também trazem algumas vantagens…Obrigou-nos a repensar o nosso funcionamento e acção social.
Houve novas respostas nesta 2.ª vaga?
Transferimos as instalações de apoio para pessoas sem-tecto para a Casa de Saúde do Bom Jesus por que fica mais perto que o pavilhão da EB 2/3 de Nogueira. Reactivou-se a unidade de rectaguarda para doentes Covid-19 que não precisem de internamento no Hotel João Paulo II, no Sameiro. Como na primeira vaga, esta unidade é um esforço conjunto da autoridade de saúde local, da Câmara Municipal, da Protecção Civil, da Segurança Social e da delegação da Cruz Vermelha. As instalações foram cedidas pela Igreja, e têm condições excelentes. A Confraria do Sameiro tem sido extraordinária na sua acção.
Sabe se está previsto um papel para a CVP, nomeadamente da delegação de Braga na vacinação contra o Covid-19?
Por definição, a Cruz Vermelha é um auxiliar dos poderes públicos. Se Estado entender que temos um papel e capacidade para ajudar nessa tarefa, estamos aqui!.
Vive-se “uma loucura!”
Entretanto, a Cruz Vermelha está a realizar testes rápidos.
É uma nova actividade que a pandemia nos obrigou a avançar. A Cruz Vermelha está a realizar a testagem não só na nossa área de intervenção, mas em todo o território nacional.
São já conhecidos os resultados a nível local?
São preocupantes. A nossa esquipa EOE – Estrutura Operacional de Emergência – descobriu, em muitos milhares de testes realizados ao Covid-19, que 10% das pessoas testadas deram positivo nos conselhos de Vila Verde, Braga, Famalicão, Guimarães, Ponte de Lima e Arco de Valdevez…
É muito, não acha?
Uma loucura! Segundo os números que conheço, de 28 de Outubro a 10 de Novembro, Braga está perto dos 1.000 casos por 100 mil habitantes [ já entre 4 e 17 de Dezembro o número baixou para 789], Vila Verde anda pelo meio milhar [entre 4 e 17 de Dezembro o número subiu para 746], Guimarães quase nos dois mil [entre 4 e 17 de Dezembro o número desceu para 997], isto se já não ultrapassaram estes valores. As pessoas têm que se convencer que têm que cumprir as regras. Só assim conseguiremos ultrapassa esta crise pandémica. Repito, a situação não está fácil.
Onde estão a fazer os testes?
Estamos também a realizar estes testes rápidos em lares e empresas. Além disso, a carrinha dos testes está em determinados dias no Sameiro [já em Dezembro foram instalados postos fixos com circuitos de drive-through (de carro) e walk-through (a pé)]. Aqui, qualquer pessoa pode fazer os testes rápidos por 20 euros.
Que avaliação faz do combate à Covid-19?
Na primeira vaga correu tudo muito bem, depois assistimos a um certo laxismo, as pessoas descambaram. Tirámos o pé do acelerador. As pessoas parecem que se convenceram que isto não é grave…
Qual é o papel da delegação?
As equipas são geridas por nós e os vencimentos são suportados pela acção social da Câmara. O nosso orçamento é pequeno. Não me canso dizer que todos nós temos que ter muito cuidado, de cumprir religiosamente todas as recomendações da Direcção-Geral da Saúde.
Quanto a meios e recursos humanos. São suficientes neste contexto?
Negativo. O crescimento da pandemia tem sido exponencial e não temos capacidade para muito mais pessoal. De momento, temos 200 voluntários, 60 a 70 deles socorristas, um quadro de 160 profissional, dos quais 13 são socorristas.
Este número é muito variável. Neste momento, por exemplo estamos a contratar gente para a área Covid, incluindo para as equipas de intervenção distrital.
“Surpresas”
Na reportagem que O Vilaverdense/PressMinho fez durante a 1.ª vaga no Centro Comunitário de Prado, em Vila Verde, foi interessante saber que as comunidades ciganas apoiadas pela CVP estavam melhor informadas sobre a Covid-19 que a população não-cigana e que outras minorias, o que surpreendeu os técnicos envolvidos nas campanhas de informação e prevenção. Houve mais surpresas destas?
Não foi só aí que tivemos uma grande surpresa. Tivemos, por exemplo, por duas vezes ameaças de surto no CAT de Nogueira, onde estão a residir 47 pessoas, o que obrigou ao seu confinamento. Asseguro-lhe que o comportamento de todos foi exemplar, o que foi reconhecido pelos técnicos que ficaram igualmente confinados em conjunto com estas pessoas sem-tecto. Foi e têm tido um comportamento exemplar! Se tivermos em conta que estas pessoas são destruturadas, que vivem muitas dificuldades e problemas, o comportamento delas nesta crise tem sido uma verdadeira surpresa.
Comissão garante transparência nas obras da sede
Há uma certa ironia no surgimento da Covid-19 precisamente no ano de comemoração dos 150 anos da delegação e do arranque das obras na sede…
Ironia e coincidência… No ano que devia ser festivo acontece a pandemia… [riso] Obrigou-nos à reflexão e auto-análise, nomeadamente da nossa actividade e do que devemos fazer. Vamos ver como se vai sair desta situação, mas acredito que vamos sair bem.
Em relação às obras…
Em relação à reabilitação da sede, encontrámos uma empresa solidária, uma parceira que nos disse por mais e uma vez que «não quero ganhar dinheiro com a Cruz Vermelha». O meu projecto era inaugurar no dia do aniversário dos 150 anos… Mas depois de muitas complicações, muitas dificuldades, conseguimos assinar o contrato de construção dias antes da comemoração. O prazo é de 12 meses e se tudo correr bem conseguiremos inaugurar a nova sede ainda no ano das comemorações…
Olhe, não comemoramos os 150 anos como queríamos, vamos comemorando dia-a-dia…
Que garantia tem a população que o dinheiro doado é devidamente utilizado?
Quando em 2007 ou 2008 subi pela primeira vez as escadas desta delegação, perguntei se precisavam de mim. Convidaram-me para integrar a direcção da altura, na época muito pouco profissional. O voluntariado é importante, mas tem que ter uma estrutura profissional em que assente, o que não existia. Em 2011 fui nomeado presidente da direcção e procurei, em nome dos muitos milhares de pessoas que ajudamos, prestar um serviço de qualidade, que teria precisamente de assentar numa estrutura profissional, competente e dedicada, o que se conseguiu, em 2017, com a certificação de qualidade pela norma NOAS 2001 Foi um avanço muito grande, quer para o rigor quer para a transparência. Foi um passo importante na instituição.
Há muitos maus exemplos…
É certo. Os maus exemplos que temos infelizmente assistido em IPSS provoca uma dúvidas e falta de confiança.
Concretamente em relação às obras na sede, criámos um grupo de apoio constituído nove pessoas independentes e sérias, coordenado pelo professor Carlos Bernardo, a quem, por exemplo, se deve a planificação dos campus da Universidade do Minho de Braga e Guimarães. Este grupo funciona como uma espécie de Tribunal de Contas da obra…
Fernando Gualtieri (CP 7889 A)
*Esta entrevista foi publicada na edição de Dezembro no jornal O Vilaverdense, pelo que se procedeu às actualizações necessárias e devidamente assinaladas, embora, num ou noutro aspecto, possa estar desfasada no tempo. Contudo, dada a sua pertinência, o PressMinho reedita-a este sábado, 26 de Dezembro, dia marcado pela chegada a Portugal das primeiras vacinas para a Covid-19. FG.