Um novo estudo científico revela que o aquecimento global está a transformar profundamente as regiões vitivinícolas da Europa (Portugal incluído), com impacto direto na qualidade e no perfil dos vinhos produzidos.
A investigação, publicada esta quarta-feira na revista Plos Climate, conclui que as uvas estão a amadurecer mais rapidamente devido ao aumento das temperaturas, o que conduz à produção de vinhos com maiores teores de açúcar e de álcool.
“Este é o primeiro estudo a testar de forma sistemática como o clima mudou nas regiões vitivinícolas do mundo com o aquecimento global”, explicou à publicação Azul a investigadora Elizabeth Wolkovich, da Universidade da Colúmbia Britânica, no Canadá, e primeira autora do trabalho. “Parece uma questão simples, mas é complexa de abordar, porque envolve variedades de uvas diferentes e calendários de crescimento distintos entre regiões frias e quentes.”
Os resultados mostram que todas as regiões vitícolas globais foram afetadas, mas de forma desigual. Na Europa — e em particular no sul e oeste do continente, incluindo Portugal — os efeitos foram mais intensos. Nas últimas quatro décadas, as temperaturas máximas durante o período de crescimento das uvas subiram mais de 2,25 ºC, comparando com os valores registados antes de 1980, quando os efeitos do aquecimento global induzido pelo ser humano ainda não se faziam sentir com intensidade.
“O calor durante a estação de crescimento é cerca de 10% maior agora do que antes de um aquecimento significativo”, afirmou Wolkovich, que sublinhou ainda: “Se antes uma média máxima era de 31,5 ºC, agora é de 33,75 ºC”. O impacto é visível nas vinhas: maior calor implica um amadurecimento mais rápido das uvas e, consequentemente, vinhos com mais açúcar e, por extensão, com maior graduação alcoólica. Isto altera o sabor tradicional dos vinhos e pode comprometer a sua qualidade.
A investigadora diz-se ainda “muito surpreendida com o aquecimento da Europa”. “Se juntarmos a isto as mudanças que vemos nas temperaturas máximas e nos dias de calor stressante para as plantas — acima dos 35 ºC — temos um mundo totalmente novo para os produtores de vinho.”
A equipa responsável pelo estudo integrou especialistas em climatologia, ecologia e genética da vinha, provenientes de França, Espanha, Estados Unidos e Canadá. Reuniram dados sobre mais de 500 castas de uvas, incluindo os registos do Centro de Recursos Biológicos da Vinha de Vassal-Montpellier (hoje sob tutela do Instituto Nacional de Investigação para Agricultura, Alimentação e Ambiente de França), recolhidos ao longo de mais de 40 anos.
O estudo considerou uma dezena de indicadores climáticos para cada região, desde as temperaturas mínimas na fase de abrolhamento (quando os rebentos começam a surgir), até à precipitação durante a vindima e os episódios de calor extremo no Verão.
“Reunimos dados sobre as castas plantadas em cada região vitivinícola, com modelos de desenvolvimento das plantas para prever quando cada uma delas iria rebentar e estar pronta para a vindima, com dados climáticos para cada região”, explicou Elizabeth Wolkovich. “Analisámos a forma como os parâmetros relacionados com o cultivo de uvas se alteraram com um aquecimento antropogénico significativo, ou seja, antes de 1980 e depois.”
A metodologia insere-se no campo da fenologia, que estuda os ciclos periódicos das plantas e animais e as suas relações com o clima.
“Acompanhámos todo o ciclo de crescimento, das geadas às ondas de calor, para compreender melhor os impactos da crise climática na produção de vinho”, referem os autores do artigo.
ADAPTAÇÃO OBRIGATÓRIA
Embora as regiões vinícolas europeias tenham registado os maiores aumentos de calor — como é o caso de Côtes du Rhône, em França —, outras partes do mundo também são afetadas. Na América do Norte, por exemplo, os aumentos nas temperaturas médias e máximas foram mais modestos, mas a tendência de aquecimento mantém-se.
Nos territórios mais frios, os rebentos costumam despontar em abril ou maio, enquanto nas regiões quentes, como o sul da Europa, o mesmo processo biológico já ocorre no final de março ou início de abril, indicando que o ciclo de crescimento das videiras está a ser antecipado.
O estudo da Plos Climate defende que a indústria vitivinícola terá de adaptar-se rapidamente às alterações climáticas para manter a qualidade e a viabilidade da produção.
“Se a indústria vitivinícola global espera navegar pelos impactos das alterações climáticas, terá de lidar com estas mudanças complexas, que variam entre regiões e ao longo da época de crescimento”, refere uma nota da revista científica.
O futuro da viticultura europeia, especialmente em países como Portugal, França, Espanha e Itália, dependerá da capacidade de resposta às novas exigências impostas por um clima cada vez mais imprevisível. Para os amantes de vinho, isso poderá significar mudanças no paladar, na graduação alcoólica e até na disponibilidade de determinadas castas.
Com Executive Digest