A Justiça Federal da Argentina está a investigar a Opus Dei por alegado tráfico e exploração laboral de mulheres pobres e adolescentes, recrutadas sob falsas promessas de educação e oportunidades.
O caso envolve 44 mulheres, das quais 43 viram os seus casos prescritos, mas os testemunhos estão a servir de base para a única acusação formal possível — a de uma mulher boliviana que terá sido escravizada durante 31 anos.
Entre os indiciados estão quatro ex-dirigentes do Opus Dei na Argentina: Carlos Nannei, Patricio Olmos, Víctor Urrestarazu e Gabriel Dondo.
A acusação do Ministério Público também solicitou a imputação de Mariano Fazio, atual número dois da organização a nível mundial e antigo vigário regional na Argentina, entre 2010 e 2014, como indica o meio argentino ara.
Fazio terá vivido na residência ‘Lara’, em Buenos Aires, uma das casas sob investigação.
Segundo os testemunhos recolhidos, as mulheres — muitas delas adolescentes quando foram recrutadas — foram encaminhadas para “escolas” que ensinavam tarefas domésticas em vez de educação formal. Posteriormente, foram colocadas como empregadas não remuneradas em casas do Opus Dei, onde limpavam, cozinhavam e serviam clérigos e membros da organização. Viviam em regime de clausura parcial, sem salários, descanso ou contacto familiar regular, pode ler-se numa notícia da Globo.
Muitas relataram submissão psicológica, vigilância constante, e castigos físicos como o uso de cilícios (correntes com picos usados nas coxas) e auto-flagelação semanal. A prática era justificada como parte da vida religiosa de “numerárias auxiliares”, um escalão mais baixo da hierarquia interna, que, segundo o Opus Dei, aderiam “voluntariamente”.
SERVIDÃO DISFARÇADA
Apesar de algumas dirigentes da instituição admitirem informalidades no pagamento, o Opus Dei nega categoricamente as acusações, afirmando tratar-se de uma distorção do contexto religioso e formativo. No entanto, documentos, testemunhos e investigações indicam uma estrutura de servidão disfarçada de vocação religiosa, que teria funcionado entre os anos 1970 e 2015.
A jornalista Paula Bistagnino, que investigou o caso durante anos, afirma numa reportagem da CNN Argentina que o sistema era deliberadamente concebido para criar uma classe de “servas santas”, proibidas de estudar, casar, ter filhos ou autonomia pessoal.
Muitas das vítimas dizem não ter comparecido aos canais de escuta criados pela instituição por falta de confiança e escuta no passado. Várias conseguiram fugir apenas na idade adulta, depois de anos de isolamento, obediência forçada e abuso.
Já este ano, o documentário ‘ Como Deixei o Opus Dei’, que pode ser visto na Max apresenta os relatos de mulheres, de Espanha, América Latina, Irlanda e Reino Unido, que participaram na organização como numerárias, numerárias auxiliares ou agregadas.
Ao longo de quatro episódios de cerca de 50 minutos, a série expõe abuso psicológico, espiritual e laboral, com jornadas exaustivas sem pagamento, mortificações diárias (como o “minuto heroico”), clausura social, pressão emocional e isolamento, e documenta o efeito devastador da rutura com a instituição, que muitas consideram destrutiva para as suas vidas.
O documentário também inclui depoimentos de jornalistas, psicólogos e advogados que contextualizam estas experiências, numa narrativa que pretende “colocar um espelho diante do Opus Dei” e expor padrões recorrentes de manipulação e violação de direitos humanos dentro da organização.
Com MadreMedia