Um antigo militar e oficial dos serviços secretos bósnios confirmou esta quarta-feira que cidadãos italianos participaram em caçadas a pessoas em Sarajevo durante o cerco da cidade pelas tropas sérvias da Bósnia durante a guerra civil na década de 90.
O antigo militar do exército bósnio, Edin Subasic, revelou em declarações à estação de rádio regional N1 que homens italianos pagavam aos membros da milícia sérvia para matarem bósnios em Sarajevo por diversão.
“O aspeto mais mórbido do ‘safari de Sarajevo’ era o facto de haver uma taxa de quanto um caçador de fim de semana tinha de pagar aos membros do exército da República Srpska [uma das duas entidades que compõem a Bósnia] em Grbavica para disparar sobre civis: adultos, mulheres, crianças, mulheres grávidas, soldados”, disse Subasic.
O Ministério Público de Milão está a investigar as alegadas viagens de cidadãos italianos para matar pessoas sitiadas em Sarajevo entre 1992 e 1996, na sequência de uma denúncia recente.
Durante o cerco, no qual mais de 10 000 pessoas foram mortas, a cidade foi alvo de bombardeamentos constantes e de disparos de franco atiradores das posições sérvias nas colinas que rodeiam a cidade.
O cerco terminou oficialmente em fevereiro de 1996, com a retirada das tropas sérvias da Bósnia, na sequência da assinatura, em dezembro de 1995, do acordo de paz que pôs fim à guerra.
A investigação tem por base uma queixa apresentada pelo escritor Ezio Gavazzeni e pelos advogados Nicola Brigida e Guido Salvini.
“A documentação inclui as provas que levaram à abertura desta investigação e revela que cidadãos italianos viajaram para Sarajevo, passando por Trieste, para matar pessoas sitiadas”, disse Brigida.
A queixa, tal como a investigação do Ministério Público, não refere nomes, mas centra-se em expor essas viagens com documentos que alegadamente provam a sua organização, ou testemunhos de soldados ou serviços secretos, explicou o advogado.
Subasic recordou que a existência destas viagens para matar civis já foi discutida publicamente em “Sarajevo Safari”, um documentário do realizador esloveno Miran Zupancic lançado em 2022.
TURISTAS ATIRADORES
O documentário relata que os indivíduos envolvidos eram provenientes de Itália, dos Estados Unidos ou da Rússia, mas não cita nomes.
O ex-militar afirmou que a justiça bósnia abriu um processo sobre esta questão na sequência de uma queixa apresentada por Benjamina Karic, que foi presidente da Câmara de Sarajevo entre 2021 e 2024.
Subasic indicou que alguns dos que participaram nos alegados safaris já morreram, mas que os que eram mais jovens “ainda estão ao alcance da justiça”.
O crime considerado pela Procuradoria de Milão é o de “homicídio voluntário agravado por crueldade e motivos abjetos”, o que significa que não há prescrição para estes atos.
“Espero que a Procuradoria de Milão leve este caso até ao fim”, acrescentou Subasic.
Durante o julgamento do antigo comandante do exército sérvio da Bósnia Ratko Mladic, pelo Tribunal Penal Internacional, em Haia, um antigo bombeiro norte-americano, voluntário em Sarajevo durante o cerco, testemunhou, em 2007, que “em mais de uma ocasião” viu pessoas armadas que não lhe pareciam sérvias, “devido às roupas, às armas que carregavam, à forma como eram tratadas, geridas e até mesmo lideradas pelos locais”.
Trechos desse depoimento que se refere especificamente aos chamados “atiradores turistas” já estão incluídos na denúncia do escritor Gavazzeni ao Ministério Público de Milão, que deverá começar a ouvir testemunhas para tentar determinar a identidade dos envolvidos.
Estes alegados “turistas de guerra” viajavam até Sarajevo para matar pessoas por prazer, durante a Guerra na Bósnia (1992-1995), ocorrida quando este país quis tornar-se independente da antiga Jugoslávia, que já começara a desintegrar-se com a independência de Eslovénia e Croácia, em 1991.






