Mariana Mortágua juntou-se este sábado, em Guimarães, à campanha de Francisco Louçã e levou com ela um dos temas mais fraturantes do partido: a tributação das fortunas acima dos três milhões de euros. Juntos deram uma ‘aula’ sobre justiça fiscal, começando por explicar que o partido decidiu dar destaque ao tema porque “é uma condição de igualdade”.
Com recurso a slides, projeções e gráficos, a ‘aula’ arrancou, no Centro Internacional das Artes José Guimarães, com Francisco Louçã, cabeça de lista do Bloco por Braga, e Mariana Mortágua a explicarem por que é necessário tributar as grandes fortunas, uma medida já aplicada em países como Espanha, Finlândia e Suíça.
A dirigente bloquista começou por lembrar o Adicional ao IMI, o “imposto Mortágua”, que obteve mais de 130 milhões de euros por ano desde 2017.
“Foi porque o criámos que conseguimos transferir para o sistema de pensões quase mil milhões de euros, e ninguém acabou com ele”, frisou. Por essa razão “é possível e é justo taxar as grandes fortunas”.
Lembrou que Portugal é o quarto país mais desigualdade da Europa, atrás da Bulgária e da Itália.
“No nosso país, a riqueza dos 20% de cima é quase seis vezes a dos 20% de baixo. Os 10% mais ricos detêm 60% da riqueza nacional. Os 1% mais ricos detêm 25% da riqueza nacional, uma discrepância está bem acima da média da União Europeia”, referiu. “Mais desigual só os países que a direita adora”, comentou a coordenadora bloquista.
Mas partir de 2010, há um aumento significativo de desigualdade, que tem uma explicação e um nome.
“Esse aumento brutal tem um nome: troika. E tem outro: PSD/CDS”, disse Mariana Mortágua.
OS SUPER-RICOS
Francisco Louçã entrou na ‘aula’ para explicar “quem são os super-ricos”.
Com base nos dados da Forbes, as 50 maiores fortunas do país têm 45,8 mil milhões de euros. “E essa desigualdade subiu face a 2023”.
Os 10 mais ricos do país detêm 23,5 mil milhões de euros. “Uma desigualdade enorme”, apontou o ex-coordenador BE.
O candidato bloquista por Braga começou por abordar a família Amorim, a mais rica que tem 4.800 milhões de euros, com participações na Galp, no imobiliário e na indústria Amorim.
Em segundo lugar está a família Soares dos Santos, com 3.374 milhões de euros e detém a Jerónimo Martins. A terceira é a família Mello, com 2.652 milhões de euros, que detém a CUF, e o grupo Brisa, entre outras.
Mariana Mortágua apresentou a quarta família mais rica de Portugal, a família Azevedo, do grupo Sonae, que detém o Continente, a Worten, Sportzone e outras marcas, bem como meios de distribuição.
“A Sonae tem uma parte imobiliária muito forte no seu grupo, como muitos destes grupos”, disse a coordenadora do Bloco. Em quinto lugar está a família Alves Ribeiro, que com a construção nas obras públicas, em modelo PPP e na gestão de centros comerciais. “Era um dos grandes devedores do BES, que depois transitam para o Novobanco”, explicou a dirigente bloquista.
“Porque é que vale a pena taxar os super-ricos, Francisco Louçã?”, perguntou a dirigente bloquista.
“Parece que o céu nos cai em cima quando perguntamos isto”, respondeu o ex-coordenador.
“Será que a sua fortuna nasceu do mérito? Todas estas fortunas são heranças. E não estamos a falar da herança normal, estamos a falar do privilégio do poder, da renda, do poder político, de poder transformar o sistema do país à sua semelhança”.
ORDENADO DE OPERADORA DE CAIXA
Mariana Mortágua aproveitou para apontar a discrepância entre o salário anual de Pedro Soares dos Santos e uma operadora de caixa do Pingo Doce.
“É uma diferença de dois mil seiscentos e quinze euros à hora contra seis euros à hora”, frisou.
“Devemo-nos perguntar qual é o mérito do herdeiro de uma fortuna para que possa pagar-se a si próprio tanto, e ganhar num ano o que uma trabalhadora da sua empresa 400 anos para ganhar”, disse.
Olhando para os grandes negócios da economia portuguesa, a coordenadora do Bloco explicou que a EDP, a ANA e outras empresas recebem de concessões do Estado milhões de euros.
“Chega-se à desigualdade através do poder e determina-se uma renda. O Estado está ao serviço. Se nos perguntamos se a desigualdade é uma condição natural, a resposta é não. Foi imposta e tem sido crescente na sociedade portuguesa. E na verdade isso é um poder que dá poder”, disse Francisco Louçã.
Para ilustrar o que quer dizer, usou o caso de Elon Musk, que gastou mais de 200 milhões para ajudar Trump a ser eleito e acabou por ser nomeado ministro.
Mas o ex-coordenador do BE deu um exemplo português. O Instituto +Liberdade, think-tank da Iniciativa Liberal, recebeu 450 mil euros de Carlos Moreira da Silva e de Luís Amaral o mesmo.
“Porque é que despejam dinheiro num instrumento de um partido liberal? Porque ele vai propor a redução da taxação dos mais ricos”, explicou. “Claro que é dinheiro muito bem aplicado, porque cria influência política.”
Mariana Mortágua explicou que as grandes fortunas não contribuem para a sociedade na mesma percentagem que o contribuinte normal, dando o exemplo de Warren Buffet, que pagou 0,1% de IRS entre 2014 e 2018.
“Para quem tem poder, não há impostos iguais aos outros”, afirmou. “É por isso que há uma isenção para os fundos imobiliários, que geraram 1,7 mil milhões de lucros em 2024”.
“Agora imaginem quem lucra com estes fundos imobiliários e não é chamado a pagar impostos”, pediu a coordenadora do Bloco de Esquerda. “E há uma conta que mostra a diferença dos impostos que são pagos sobre os dividendos das empresas face aos impostos pagos pelo trabalho. A conclusão a que chegamos é que Portugal é um dos países onde a tributação do trabalho é maior que a tributação aos rendimentos”.
IMPOSTOS DESIGUAIS
A proposta do Bloco combate a desigualdade, reduz a evasão fiscal, permite financiar serviços públicos para todos e permite reduzir os impostos indiretos e expandir a economia.
“Criar impostos mais justos para quem trabalha, convocando os mais ricos a pagar um pouco mais, consegue combater as desigualdades”, disse a dirigente bloquista.
Já Francisco Louçã explicou que taxar os super-ricos não penaliza o mérito, uma vez que estas fortunas são construídas sobre o poder que nasce da herança de milhões de euros. Mas o ex-coordenador do Bloco de Esquerda questionou se essa taxação levará à fuga desses milionários. “Esse é um argumento muito interessante e quero falar dele a partir de dados concretos”, disse.
Países como Espanha, França, Países Baixos, Itália e Suíça, que têm alguma forma de impostos sobre as grandes fortunas, têm mais milionários que Portugal. Na Finlândia, a imposição de impostos às grandes fortunas fez “fugir” apenas 30 milionários.
“Mas vejam como é que eles lucram: supermercados, autoestradas, imobiliário. Os impostos são tributados pelos lucros da empresa, não há forma de fugir”, explicou.
Mariana Mortágua respondeu à pergunta sobre se taxar a propriedade ou as heranças constitui dupla tributação. “Dizem que é porque os lucros já foram tributados no momento em que foram constituídos, portanto não podem ser tributados novamente. Isso é falso”, garantiu.
Mas há um outro argumento que é importante. Uma fortuna feita de imóveis aumentou consideravelmente nos últimos dez anos “sem que os donos dessas fortunas tenham feito alguma coisa”.
A coordenadora do Bloco de Esquerda explicou que “a fortuna aumenta pela valorização do património e essa valorização é uma realidade que não é tributada”.
Na verdade, organizações das Nações Unidas e da sociedade civil já defenderam várias vezes uma tributação às grandes fortunas para combater a desigualdade, que “cria problemas em tudo”.
A proposta do Bloco é “igualzinha à proposta que está em Espanha”, de taxação de fortunas superiores a três milhões em 1,7%. Essas fortunas são equivalentes a 250 anos de salário mínimo.
“São cinco vidas de trabalho se não gastássemos um cêntimo em nada”, explicou a dirigente bloquista. “É uma taxa para metade dos 1% mais ricos de Portugal”.
A tributação aumenta para 2,5% nas fortunas acima dos 5 milhões e para 3,5% nas fortunas para mais de 10 milhões.
“Alguém pode dizer que não é justo taxar os mais ricos? Mas para que serve essa taxa? Seriam 3.000 milhões de euros de receitas por ano, que poderiam ser usados para assegurar a soberania energética ao comprar a REN, que gere as infraestruturas elétricas nacionais. Ou para subir as pensões acima do limiar da pobreza”, questionou.
“Já começámos esse caminho com o adicional ao IMI, mas as pessoas mais pobres poderão ter médico de família, escolas com qualidade, dinheiro para investir nos nossos setores sociais”, concluiu a coordenadora do Bloco de Esquerda.
Fernando Gualtieri (CP7889)